Um filme de Tiago Guedes – Restos do Vento
O Trailer
Para os felizardos que estão ou vão com frequência a Portugal, o filme Restos do Vento, de Tiago Guedes, é já uma possibilidade. Para quem está deste lado da fronteira, resta-nos aguardar a estreia.
Quando foi selecionada para o festival de Cannes, chamou-me de imediato a atenção, até porque a última vez que um cineasta português tinha participado foi há 16 anos!!! Gostei das imagens evocadoras, do trailer, dos atores… agora só falta ter a possibilidade de a ver numa qualquer sala de cinema de Madrid!
Entretanto posso dizer-vos que o filme já deu que falar e ganhou alguns prémios. Mas comecemos pela sinopse.
A Sinopse
Uma tradição pagã numa vila do interior de Portugal deixa traços dolorosos num grupo de jovens adolescentes. 25 anos depois, ao reencontrarem-se, o passado ressurge e a tragédia instala-se.
https://www.restosdovento-filme.com/pt/sinopse.html
O Realizador
Tiago Guedes
Porto, 1972
Filmografia selecionada:
Restos do Vento (2022)
Festival de Cannes 2022 – Seleção Oficial — Special Screenings
46ª Mostra de São Paulo
A Herdade (2019)
Festival de Veneza – Seleção Oficial – Em Competição
TIFF – Toronto International Film Festival – Special Presentations
Tristeza e Alegria na Vida das Girafas (2019)
Guadalajara Internacional Film Festival – Seleção Oficial – Competição Ibero-América
Mostra de São Paulo – Seleção Oficial
Entre os Dedos (2008 – co-realizado com Frederico Serra)
Festival de San Sebastián – Seleção Oficial – Competição “Zabaltegi-Tabakalera”
Festival de Cartagena das Índias – Prémio de Melhor Primeira Obra e Prémio de Melhor Ator
Festival de Turim – Prémio Ciputti de Melhor Filme
Mostra de São Paulo – Seleção Oficial
Coisa Ruim (2006 – co-realizado com Frederico Serra)
Festival de Sitges – Seleção Oficial – Em Competição
Busan Film Festival – Seleção Oficial
Numa nota de intenções, o realizador diz-nos:
Desde sempre me questionei sobre as razões da violência entre as pessoas. Hoje mais do que nunca essa pergunta permanece sem respostas possíveis ou tangíveis. Vivemos numa sociedade que avança no tempo mas que não evolui, come-se a si própria, cada vez mais afastada da natureza a produzir em excesso apenas com o fim do lucro. Uma sociedade que se esquece daqueles que por uma razão ou outra ficam para trás, daqueles que não conseguem acompanhar, ou que escolhem não o fazer.
Este filme nasce da vontade de refletir sobre a violência exercida pelos mais fortes sobre os mais fracos, essa ilusão de poder que nos inunda em todos os aspectos da sociedade. Refletir sobre a perda da inocência, onde ocorre e por que razões.
E talvez a maior de todas as vontades fosse refletir sobre o medo, e sobre como ele nos condiciona, como nos transforma e distorce a realidade.
O pano de fundo deste filme é o confronto entre a nobreza fundamental do ser humano e aquilo que chamamos de maldade humana, muitas vezes nascida do medo, daquilo que se estranha, desconhece ou ignora. Um confronto ancestral que a sociedade camufla, esconde, e que não tem a noção ou o conhecimento ou a cultura para o conseguir erradicar.
Daí nasceu a necessidade de refletir sobre os rituais de passagem (aqui representado através de uma tradição semi-pagã ancestral), quase sempre ligados a manifestações violentas e misóginas que tentam de alguma forma simbolizar essa “separação” extrema onde se abandona um estatuto social para se adquirir um outro.
A necessidade de pertencer a um grupo, a vontade de ser aceite por aqueles que consideramos mais fortes, assim como a vontade e a necessidade de humilhar os mais fracos, são infelizmente traços ainda demasiado atuais e certas tradições, não apenas de rituais antigos, parecem querer legitimar a forma como os grupos exercem o seu poder e violência sobre os outros. Veja-se todo o tipo de praxes existentes nas mais diversas formas.
Uma comunidade que esconde os crimes do seu passado, que não os examina e não se retrata, será incapaz de prevenir as violências futuras. Viverá assombrada sempre. É a sombra que chega antes do corpo. É a antecipação do que poderá acontecer. Há culpados, vítimas e carrascos, mas não há justiça. Há medo. Um medo que muda as perceções e faz ver o mundo através da sua lente distorcida. Um medo do que é estranho e desconhecido e que promove a injustiça e a violência que caraterizam o nosso mundo. Não há moral, porque não há espaço para ela. Só há tragédia. E medo.
A Crítica
Os Prémios
Calpurnia para o melhor filme para RESTOS DO VENTO (Portugal/França), de Tiago Guedes.
Pelo seu sóbrio e assombroso poder visual e narrativo que consegur com audácia fazer um filme de surpreendente e misteriosa força fílmica. E que, sem deixar de ser requintado e sem concessões aos efeitos, tem a capacidade de atrair um público vasto.
27ª edição do Festival Internacional de Cine de Ourense
O Júri da Imprensa do festival de Lucca, em Itália, atribuiu o prémio de Melhor Filme a RESTOS DO VENTO, salientando a “elegância da realização”, a fotografia “evocativa, potente”, o eficaz testemunho da “essência espiritual do mal que, como um sopro do vento, parafraseando o título do filme, nos toca para nos tornar seus escravos”. E ainda “pela figura poética de Laureano, um rejeitado, um bom selvagem como tantos em tantos lados do mundo, e, por fim, pelo tema da violência, infelizmente sempre atual na nossa sociedade”.